A pedido da Bebel Soares, editora do Padecendo no Paraíso, escrevi o texto abaixo, direcionado ao público leigo, publicado em 20/3/17 com ótima repercussão entre as leitoras
COMO LIDAR COM UMA PESSOA DEPRIMIDA
“Eu
não consigo explicar meus sentimentos para você; existe um certo vazio que me
causa dor, um desejo nunca satisfeito e que, no entanto, nunca cessa, mas
aumenta dia após dia... Eu tampouco encontro alegria no meu trabalho... Se eu
sento ao piano e canto algo da minha ópera, tenho que parar imediatamente, pois
me afeta muito.”
Carta
de Wolfgang Amadeus Mozart à esposa, julho de 1791
“Acordei
a noite toda ontem de novo. Às vezes, eu penso para que serve a noite. Ela
quase não existe para mim – tudo parece um longo, longo e horrível dia”
Carta
de Marilyn Monroe ao seu psiquiatra, agosto de 1961
Os dois relatos históricos
acima, registrados por duas figuras tão associadas à beleza e à magia das
artes, dão a dimensão da devastação causada por uma doença pouco compreendida e
ainda cercada de preconceitos e banalizações: o transtorno depressivo. Nos
próximos parágrafos, vamos tentar esclarecer alguns pontos sobre o sofrimento
de quem tem depressão e derrubar alguns mitos que, infelizmente, ainda a
cercam.
Serem humanos se alegram e
se entristecem o tempo todo, na maioria das vezes com uma conexão bastante
clara com o ambiente que os cerca. Pessoas apaixonadas, que receberam uma
promoção no trabalho, que compraram uma casa nova ou que viram o nascimento de
um filho tendem a se sentir muito alegres, enquanto quem está com dívidas,
crise no relacionamento ou tem problemas com os filhos tendem a se sentir mais
tristes ou irritadas do que o normal. Tais fenômenos são perfeitamente
compreensíveis e muito necessários para o nosso aprendizado – de um modo geral,
vamos querer repetir as experiências que nos deixaram alegres e evitar as que
nos deixaram tristes.
Entretanto, nosso humor
também varia sem uma conexão clara com os estímulos ambientais. Não chega a ser
raro estarmos incompreensivelmente alegres (“fulano viu um passarinho verde hoje”)
ou chateados (“sicrano acordou com o pé esquerdo hoje”). Essas oscilações do
humor, dentro de uma determinada faixa de normalidade, é o ciclo habitual do
nosso psiquismo e um dos determinantes das características da personalidade das
pessoas (expansiva, introspectiva, debochada, melancólica, etc). A nossa percepção das variações de humor se deve a oscilações na produção de substâncias no nosso cérebro - as monoaminas.
Até aqui, falamos de
situações normais e de características encontradas em qualquer pessoa, de
maneira mais ou menos evidente aos olhos de um psiquiatra. Quando essas
oscilações do humor se tornam exageradas (alegria, coragem ou irritação
desproporcionais ao estímulo ambiental ou tristeza, melancolia e sensação de
ruína também sem uma justificativa compreensível), temos um quadro denominado
Transtorno Bipolar, tema para um futuro artigo para as Padecentes.
Entretanto, quando o humor
fica permanentemente triste, quando a pessoa vai perdendo o prazer e o interesse
por coisas que anteriormente achava divertidas, e, principalmente, quando ela
se fecha em um universo de dor e falta de esperança, é hora de olhar com
atenção se não é o caso de se pensar em depressão.
Em linhas gerais, a
depressão é causada pela deficiência da produção de substâncias no nosso
sistema nervoso chamadas monoaminas. Dessas, as mais conhecidas são a
serotonina e noradrenalina, cuja falta determina a falta de alegria, prazer e
energia tão característicos de quem sofre de depressão. Lavar uma pia de
louças, arrumar uma pilha de papéis ou mesmo dar uma volta no quarteirão com o
cachorro se tornam tarefas extremamente penosas e sem sentido para quem tem a
produção das monoaminas reduzida. Essa redução é determinada geneticamente e,
dependendo da carga genética, pode aparecer em qualquer época da vida, não
necessariamente relacionada a algum evento traumático, embora um evento
traumático possa desencadear ou mesmo agravar um quadro depressivo que, sem
esse trauma, talvez não ocorresse ou ocorresse de maneira bem mais branda.
Ainda há de se considerar que é a carga genética uma das grandes responsáveis
pela maneira tão diferente que as pessoas reagem a um trauma. Uma perda de
emprego ou o fim de um relacionamento, por exemplo, podem ser um gatilho
importante para a baixa permanente dessas monoaminas em quem tem predisposição
genética, enquanto determinam apenas uma alteração efêmera do humor em quem não
tem essa predisposição e que, após alguns dias, se recupera e segue sua vida
normalmente. É importante frisar aqui que não se trata de “fraqueza de
personalidade” ou “falta de vergonha” quando alguém que sofre de depressão não
consegue lidar com a adversidade. Pedir para um deprimido reagir como uma
pessoa normal (ou “eutímica”, como se diz em psiquiatria) a um problema que o
aflige, é como pedir a um daltônico que diferencie certas cores ou que um
diabético controle sua glicose com base na força de vontade.
Os antidepressivos, de um
modo geral, atuam buscando a otimização da produção dessas monoaminas.
Esclarecidas as origens da
depressão, passamos à questão mais importante: como lidar com uma pessoa
deprimida? E quando os deprimidos somos nós mesmos, o que fazer?
A primeira e mais absoluta
das regras é tão obvia que acaba sendo esquecida:
NÃO JULGAR A SITUAÇÃO SOB O
PONTO DE VISTA DE QUEM NÃO É DEPRIMIDO.
É extremamente comum ouvir relatos do
tipo “mas você é uma pessoa tão bonita” ou “não te falta nada” ou “olhe para
sua família” ou “tenha mais fé” ou, o pior de todos “você precisa reagir”.
Todas essas tentativas de ajudar só pioram a sensação de isolamento e
incompreensão que atormenta quem sofre de depressão, além de reforçaram a
sensação de incompetência e inadequação que acompanha essas pessoas.
A segunda regra, também de
ouro é:
OUÇA E ACOLHA O SOFRIMENTO DE QUEM PEDE SOCORRO.
Admitir que está
deprimido, principalmente para quem está enfrentando a doença pela primeira
vez, é dificílimo, pois não há um exame laboratorial ou qualquer outro
parâmetro, além da própria percepção de que não está bem. Muitas vezes, apenas
dividir o sofrimento com alguém, já é enorme alivio para quem sente o desamparo
que a depressão causa. Não se preocupe em apresentar uma solução ou um caminho!
Como diz a música “Sutilmente”, do Skank, “... E quando eu estiver triste, simplesmente
me abrace”.
A terceira regra, que
determinará como (e se) a pessoa vai sair de um episódio depressivo, é:
NÃO
BANALIZAR O TRATAMENTO.
Os antidepressivos foram, até os anos 80, drogas de
difícil manejo por causa dos efeitos colaterais. Com a descoberta da fluoxetina
e dos outros antidepressivos serotoninérgicos (paroxetina, sertralina,
citalopram, escitalopram, fluvoxamina), a prescrição dessas drogas passou a ser
feita sem muito critério, muitas vezes em “consultas de corredor” ou até mesmo
por amigos e parentes que, na tentativa de ajudar, passam antidepressivos de
maneira pouco cuidadosa, sem uma compreensão mais profunda do sofrimento de
quem precisa de ajuda, tendendo a cronificar o problema e a jogar fora uma
ótima ferramenta de tratamento.
A quarta e última regra é:
SABER QUE RECAÍDAS OCORRERÃO AO LONGO DA VIDA DO DEPRIMIDO. São comuns os casos
em que a pessoa cumpre um protocolo de tratamento com antidepressivo (entre
seis e oito meses de remissão dos sintomas), retira a medicação e ganha alta do
psiquiatra, ficando o retorno em aberto para quando precisar. Esse retorno pode
ocorrer depois de alguns meses ou depois de vários anos, mas não é raro a
pessoa precisar de um novo ciclo de tratamento com antidepressivos para encarar
uma eventual recaída.
Então, compreendidas as
regras básicas de como lidar com uma pessoa em episódio depressivo, falta falar
sobre como prevenir e enfrentar as turbulências que, naturalmente, virão.
Buscar situações prazerosas, valorizar o que realmente importa na vida, não se
prender em relacionamentos doentios, tanto na vida afetiva quanto na vida
profissional e familiar, ter planos, defender idéias, criar, realizar... sim,
isso é possível para quem sofre de depressão e busca tratamento! Além da parte
química, com antidepressivos sempre que necessários, uma boa psicoterapia pode
ajudar muito a enfrentar uma das mais terríveis formas de sofrimento de que
temos conhecimento. Procure um profissional bem recomendado sempre que achar
necessário.