terça-feira, 19 de junho de 2012

BLOOPERS

Pretensioso o primeiro post, não? Pena que nem sempre as coisas corram assim...
Em um consultório médico, cada novo paciente que chega é um universo inédito para explorarmos. E, diante de tamanha exigência, é natural que, nem sempre, a gente se saia tão bem como gostaria. Esta história ocorreu no final de 2005 e ilustra bem o efeito de uma "bola fora".
Desde que me casei e me vi, do dia para a noite, independente da rotina da casa dos meus pais, me interessei bastante pelo universo dos vinhos. Gostava de acompanhar as colunas de um conhecido enólogo (que, com o tempo, percebi ser meio picaretão e impreciso em suas opiniões) que, certa vez, falou que a qualidade dos vinhos da Borgonha importados ultimamente havia melhorado muito. Naquela época, eu sabia que a Borgonha era uma região vinicultora da França, mas não fazia idéia de que era a grande rival de Bordeaux como a melhor produtora de vinhos do mundo! Só para ficar no exemplo mais famoso, o caríssimo e exclusivo Romanée-Conti é feito em Bourgogne, como dizem os franceses. Enfim, uma discussão entre vinhos de Bourgogne e de Bourdeaux na França é algo como discutir Atlético x Cruzeiro em Belo Horizonte ou EUA x URSS no auge da guerra fria ou, ainda, Maverick GT x Charger R/T entre os antigomobilistas. E os borgonheses, naturalmente, não têm a menor dúvida de que seu vinho é, de fato, o melhor do mundo.
Foi com esse pano de fundo que atendi, no final de 2005, um jovem e distinto senhor estrangeiro, que chegou muito bem recomendado ao meu consultório. Seu problema era relativamente grave a demandava atenção. Após alguma formalidade, ele se apresentou como francês da Borgonha e comerciante de vinhos... e a pérola do dia saiu da minha boca:

- Ah, o senhor é da Borgonha... soube que os vinhos de lá têm melhorado muito...

Alguém consegue imaginar um efeito mais catastrófico? Se alguém falasse para um torcedor argentino que Maradona foi um jogador "até razoável" ou para um dos Tifosi italianos que a Ferrari faz esportivos "legaizinhos", não faria um estrago tão grande. Pode ser fantasia minha, mas lembro de ter a impressão de que o francês fez menção de se levantar e ir embora. Dali em diante, nada do que eu dissesse poderia salvar o dia. Lembro que percebi a mancada e me esforcei para me concentrar no problema que o levara ao meu consultório, mas o destino daquela relação médico-paciente já havia sido selado: obviamente, ele nunca mais voltou e nunca mais tive notícias dele.
Foi apenas seis anos depois, no final de 2011, que tive a oportunidade de me redimir, se bem que bem longe do consultório, com o povo Borgonhês.
Em 2010, comprei uma Kombi 1974 de um amigo, que a comprara havia pouco tempo do seu primeiro dono, mas decidira passá-la adiante. A Kombi era (é) inacreditavelmente conservada e trazia a particularidade de ter sido transformada artesanalmente em um engenhoso motor-home pelo seu primeiro proprietário, que só a vendeu porque foi vítima de um AVC que lhe trouxe limitações físicas que o impossibilitaram de dirigir. Algum tempo depois de comprar a Kombi, fiz questão de conhecer o Sr. Paul Auriol, um francês octogenário radicado no Brasil desde os anos 70 e responsável pela conservação ímpar do carro  após 37 anos de uso. Apesar das limitações impostas pela seqüela do AVC, pude notar seu sorriso quando ele disse que era de Dijon e eu repliquei que sua região (Bourgogne) produz alguns dos melhores vinhos do mundo e que gostaria muito de conhecê-la um dia. Um prêmio de consolação para um bad day at office de seis anos antes. 

5 comentários:

Renata Martins disse...

Luís,sensacional o seu blog!Me diverti e trabalhei bastante a minha ansiedade na espera de um sinal fechado para conseguir terminar de ler seus posts!Já espero os próximos,parabéns!

Luís Augusto disse...

Oi Renata, obrigado! Confesso que estou até surpreso com o feedback dos leitores!

Guilherme da Costa Gomes disse...

Luís, muito legal o novo blog.
Pra quem é observador, a vida quotidiana oferece inúmeras anedotas.
Lembro uma vez que eu estava atendendo em dupla num ambulatório, o colega fazia a anamnese completa e eu observava de lado. Era um Sr. dos 70 e tanto. Ao chegar no ISDA, sobre o aparelho sensorial, o colega lançou: "O Sr. ouve bem?", o paciente ergueu as duas sobrancelhas, como se seu rosto tivesse se transformado num enorme ponto de interrogação, fazendo o colega repetir: "O Sr. ouve bem?", "Ahn?" -respondeu. Achando já ter perdido muito tempo naquela pergunta protocolar, o colega economizou na tréplica, mas aumentando o volume: "O Sr. ouve!?", noque o paciente respondeu: "Ah tá, eu como ovo de vez em quando sim!".
Respondida a pergunta.

Anônimo disse...

Lindo,
adoro seus textos!! Vou me divertir horrores aqui!

Júlia

regi nat rock disse...

a Ferrari não faz carros legaizinhos. Faz jóias únicas e o vinho francês dessas duas regiões sempre competem entre si.
E os "fazedores" (não formadores) da reputação é que vencem a guerra anual.
Diria que alguém que procura um psi; está tão sujeito a traumas, os mais diversos, que qualquer coisa que se diga, transborda o copo.
Não deixou de ser uma lição bem aprendida. Todos crescem de uma forma ou outra com as experiencias vividas e resolvidas.