Uma dos requisitos mais importantes de quem se propõe a prestar um serviço que depende, essencialmente, de criar empatia com o interlocutor, é ter uma boa bagagem cultural. Diagnosticar e tratar quadros médicos cotidianos não é lá muito difícil, mas perceber as sutilezas das demandas dos pacientes e de se diferenciar a ponto dele perceber que sua escolha por este ou aquele profissional realmente valeu a pena depende da nossa capacidade de entender e penetrar em seu universo. Assim, não é raro me ver discutindo especulação na bolsa de valores, viagens internacionais, publicidade, geopolítica, arte, história, filmes clássicos, moda feminina, música clássica, aviação e - óbvio para quem me conhece - carros antigos, entre outros temas tão diversos quanto fascinantes. Tais discussões costumam ser o caminho mais fácil para conquistar a empatia necessária para a chamada "aliança terapêutica", através da qual os tratamentos tendem a ser muito mais eficientes, mas não é exatamente isso que se pretende discutir aqui hoje.
Apesar de ter uma bagagem razoável para transitar por temas tão diferentes quanto os que citei, não me considero, naturalmente, especialista em nenhum deles, mas o interesse genuíno pelo discurso do interlocutor pode, de vez em quando, produzir resultados surpreendentes como o que narro a seguir, ocorrido há poucos meses.
Tenho um cliente que é absolutamente fascinado (o mais correto seria dizer "adoecido" ou "enlouquecido", mas não ficaria bem em um blog sobre um consultório psiquiátrico...) por aviação. Perto dele, apesar de entender um pouco do tema, posso me considerar um "aspirante a principiante" e, como seu quadro psiquiátrico tem estado sob controle, sempre sobra tempo, nas consultas mensais, para um ótimo papo sobre aviões e suas histórias.
Paralelamente a isso, um grande amigo de cerca de 30 anos de idade, diabético desde os 15, andava chateado porque foi detectada uma degeneração em sua retina atribuível ao quadro de diabetes, apesar do seu rigorosíssimo controle da glicemia e de atividades físicas regulares. Esse amigo mora há cinco anos na Ásia e, por contingências profissionais, viaja muito pelo mundo.
Voltando ao cliente dos aviões, estávamos conversando sobre os primórdios da aviação civil e os problemas que foram sendo superados com o progresso da tecnologia aeronáutica, até que ele citou um desafio que continua inalterado em um século de história:
- Pois é, Doutor, veja que coisa curiosa. Desde cedo, percebeu-se que diabéticos têm tendência a ter descolamentos de retina quase imperceptíveis em vôos mais longos. Pensou-se que, com a pressurização das cabines isso não ocorreria mais, mas esses descolamentos continuam acontecendo...
Para um diabético que voa uma ou duas vezes por ano em viagens de turismo, a repercussão dessa observação só é significativa em um prazo de décadas, mas para esse amigo, que chega a fazer três vôos intercontinentais por ano, fora a infinidade de vôos pelo sudeste asiático, o organismo já cobrou seu preço - felizmente, ainda perceptível apenas em exames sofisticados, de modo que ainda é perfeitamente possível uma evolução benigna se alguns hábitos forem modificados, o que já está sendo feito após o meu alerta e a consulta dele ao especialista.
Cabe dizer aqui que este amigo é acompanhado por um endocrinologista e um oftalmologista, ambos de competência inquestionável, mas que não tinham levantado essa possibilidade, talvez porque a informação seja muito mais familiar ao meio aeronáutico do que ao meio médico, até pela rotina intensa de vôos que é necessária para que o problema se manifeste, algo ainda relativamente pouco comum no Brasil.
De qualquer forma, fica um relato bem ilustrativo de como "sorte" e "acaso" tendem a sorrir mais para quem está atento a pequenos detalhes, mesmo quando a consulta médica objetiva já aparenta ter dado tudo o que tinha que dar.
Os clientes agradecem (e, nesse caso específico, agradecem uns aos outros...).
Cabe dizer aqui que este amigo é acompanhado por um endocrinologista e um oftalmologista, ambos de competência inquestionável, mas que não tinham levantado essa possibilidade, talvez porque a informação seja muito mais familiar ao meio aeronáutico do que ao meio médico, até pela rotina intensa de vôos que é necessária para que o problema se manifeste, algo ainda relativamente pouco comum no Brasil.
De qualquer forma, fica um relato bem ilustrativo de como "sorte" e "acaso" tendem a sorrir mais para quem está atento a pequenos detalhes, mesmo quando a consulta médica objetiva já aparenta ter dado tudo o que tinha que dar.
Os clientes agradecem (e, nesse caso específico, agradecem uns aos outros...).
Um Junkers Ju-52 dos anos 30 e um Antonov 225 atual. Apesar dos avanços tecnológicos, os diabéticos continuam penalizados pela aviação
4 comentários:
Luís, existe alguma profilaxia ou tratamento para este descolamento? Tenho um amigo, diabético desde os 3, que viaja bastante.
Chico, não faço idéia. Mas a recomendação inicial, no caso que descrevi, foi voar menos.
O Jovino (de brasilia) já não voa mais por conta de problema parecido. Dotô. neste próximo fds, tô em BH com uma modesta encomenda a lhe entregar. chego sexta a noite e volto domingo cedinho. Um bate e volta. Tem algum horario disponível no sabado a tarde?
abs.
Oi Regi, me manda um e-mail!
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